terça-feira, 20 de julho de 2010

grandpa.

Eu nunca tinha ouvido o som da UTI.
Lavei as mãos com um sabão pegajoso, sequei e coloquei as luvas. Procedimentos básicos de visitantes do local. Era um corredor com baias como as de um filme de emergência médica. Os leitos bem próximos uns dos outros, um som de aparelhos que faziam uma melodia até agradável para quem passasse por lá uma vez na vida. Mas não pude crer que lá estava meu avô. “Leito 12, à direita” – disse o rapaz que ficava numa espécie de mesa de escritório, conversando às risadas com uma enfermeira que não cansava de tentar conquista-lo. Vejo no primeiro leito que passei uma senhora bem obesa, cabelos brancos, numa situação bem triste. Cheguei a cogitar que poderia ficar daquela forma caso eu não me cuidasse, mas sei que vou morrer dormindo. Olhando para a direita logo vi meu vôzinho. Ele estava magro, quase irreconhecível. Quando me viu, chorou... eu disse “Oi vô! Oi vôzinho, vim te ver... sua benção?” Ele tentou levantar a mão para pegar na minha, abaixei a cabeça perto da cama, tirei a mão dele de dentro do lençol e beijei-a. Não resisti e chorei junto, interrompida por uma voz “Com licença, coloque o capote por favor?”. Era a enfermeira que cuida do meu avô. Aproveitei e perguntei como ele passou o dia, ela disse, se voltando a ele: “Seu Januário? Ta ótimo, né seu Januário?”. Meu avô não respondia, só mexia os lábios, balbuciando algo que não compreendi. Olhei firme pra ele e percebi que perguntou sobre meu pai e logo em seguida sobre minha mãe, consegui ler aqueles lábios já flácidos e sem estrutura. Perguntei se soube que tinha escrito um livro, ele disse que soube. Fiquei feliz que podíamos ao menos nos comunicar dessa forma no mínimo incomum. Ele não parava de chorar, eu também não. Fiquei fazendo um carinho na cabeça dele e disse que teria que ir porque minha mãe ia subir para vê-lo, sobe um por vez.
No mais singelo mexer de lábios ele disse “Vai lá, te amo minha filha”.
Tirei o capote, virei as costas para o leito e saí pelo corredor, tentando me conter. Desabei quando saí, abracei forte minha mãe que disse que ele está melhor, que estamos felizes com isso e que ele voltaria para casa.
Mesmo assim, aquele som ficou na minha cabeça, mas espero nunca ouvi-lo novamente.
Meu avô já está na Enfermaria.